sábado, 4 de maio de 2019

Porque não gosto muito dos trustes no planejamento sucessório – Parte II



Continuando o post anterior sobre trustes, eu dizia que as transferências feitas pelos trustes para seus beneficiários podem ser interpretadas como doações, ao invés de rendimentos.

Pessoalmente, não gosto muito desta interpretação. Se levarmos em conta que o Brasil não reconhece abertamente o truste como uma entidade em separado, as transferências do truste para a própria pessoa que o instituiu podem ser consideradas até mesmo isentas de tributação, por se assemelharem a saques de uma conta bancária

Por outro lado, se o truste transfere dinheiro a um beneficiário que não seja o instituidor (ex: ao filho de quem criou o truste), essa transferência pode ser considerada tanto uma doação indireta do instituidor para o beneficiário (do pai para o filho, em nosso exemplo) quanto uma renda do beneficiário (um rendimento do filho).

Em suma: a transferência de dinheiro ou bens feita pelo truste para qualquer pessoa que mora no Brasil não tem uma natureza jurídica muito clara. Permite várias interpretações.

Se adotarmos a linha que diz que as remessas do truste equivalem a doações, alguns problemas muito especiais se apresentam:

a)       Estas transferências afetam a herança legítima (50% do patrimônio do instituidor do truste) e podem levar a futuras disputas no inventário;

b)      Estas transferências geram um ciclo de bitributação, da seguinte forma:

  • Os valores já inseridos no truste, que, de modo geral, já pertencem ao instituidor e já estão livres de tributação sobre a renda, serão tributados quando da doação para o beneficiário residente no Brasil. Se a pessoa recebendo o dinheiro não for a mesma pessoa que criou o truste (se for o filho do instituidor), isso gerará uma rodada de tributação pelo ITCMD. Mas, se a remessa for declarada como uma doação para o próprio instituidor, Isto quer dizer que tributação desnecessária, como se o instituidor pagasse imposto para doar dinheiro a si mesmo.
  • Os bens adquiridos com as “doações” serão futuramente inventariados quando o beneficiário morrer. Isso gerará  nova cobrança de ITCMD. Ou seja, o dinheiro pagará ITCMD quando for retirado do truste e quando for remetido aos herdeiros, após o inventário.
  • Alguns tipos de bem adquiridos com as “doações” podem gerar tributação por ganho de capital (mínimo de 15%) caso sejam futuramente vendidos. É o caso de carros, joias e ações.


Acho que está claro que o truste já não oferece mais a proteção que ele oferecia no passado, quando a Receita Federal não estava tão atenta a ele (ou tão cobiçosa para tributá-lo).

Qual seria a alternativa?

Eu gosto muito da abertura de empresas no exterior. As famosas sociedades “offshore”.

A Receita Federal reconhece a independência patrimonial de sociedades constituídas no exterior. Por isso, as sociedades funcionam como um escudo tributário para os rendimentos auferidos por ela e não distribuídos aos sócios.

Em consequência disso, temos:

a) Só haverá tributação da pessoa física nos seguintes casos:

i. Distribuição de lucros ao acionista pela offshore nível 1 (27,5%)
ii. Liquidação parcial do capital da offshore nível ( tributação a partir de 15%)
iii. Realização de despesas sem qualquer tipo de conexão comercial e em favor do sócio pessoa física (gastar “no cartão da empresa”).


Ressalte-se que a sociedade estrangeira pode ser a dona direta de imóveis ou outros bens  localizados no Brasil, sem que a mera aquisição do bem gere tributação. 

A estrutura poderia ser desenhada assim:





Ademais, em caso de morte do dono das sociedades estrangeiras, há vários benefícios tributários para os herdeiros.

Este assunto é um pouco complicado para este post, mas poderia ser resumido assim:

  • Por um lado, é possível que as ações das empresas localizadas no exterior sejam transmitidas diretamente aos herdeiros, sem necessidade de inventário no Brasil.
  • Por outro lado, ainda que haja inventário no Brasil é possível que o valor a ser tributado pelo ITCMD não seja exatamente o valor que a empresa estrangeira mantém em caixa ou em ativos (ou seja, o valor das aplicações financeiras, valor de imóveis detidos pela empresa) mas uma outra cifra contábil, de valor menor. Por exemplo, o patrimônio líquido ou o valor de registro das ações. O resultado é a redução dos tributos sobre a herança devidos ao Brasil.

O mais importante é que os benefícios acima, típicos de sociedades estrangeiras (“offshore”) nem sempre estão disponíveis para os trustes. Isso me leva a concluir que, considerando leis vigentes hoje, o uso de sociedades estrangeiras para planejamento sucessório é mais seguro e vantajoso para clientes brasileiros do que a instituição de trustes.