domingo, 18 de março de 2018

COMO MONTAR ESTRUTURA PARA ARBITRAGEM INTERNACIONAL DE BITCOINS

O mercado de Bitcoins e de criptomoedas em geral ainda é imaturo. Como todo mercado imaturo, ele está sujeito à fragmentação do preço.


Quer dizer, o preço do produto sofre picos geograficamente localizados de oferta e demanda. Além disso, a variação de preço entre mercados não está diretamente associada a quesitos já mapeados pelos comerciantes que trabalham com comércio internacional, tais como custo de transporte, tributos, etc.

Tem muita gente do mundo inteiro estudando para ver se encontra a fórmula que indicará o preço do bitcoin. Tenho lidos trabalhos de pesquisa econômica que tratam deste assunto. Há várias linhas de pesquisa. Por exemplo, há quem estudo os aspectos geopolíticos (Brexit, eleição do Trump, etc.). Outros fazem análises estatísticas relacionadas à variação das principais moedas (euro, dólar, iene). Existem também estudos que focam na área técnica e tentam prever o preço com base na velocidade de mineração de novos bitcoins ou com base em outras condições técnicas.

Do meu lado, eu noto que os aspectos jurídicos e regulatórios das criptomoedas têm um impacto muito grande nos preços.

Todos os relatórios que estudei destacam a Índia como um dos mercados em que a discrepância de preços é mais acentuada em comparação com as principais bolsas americanas e europeias.  Não por acaso, a lei indiana impõe muitas restrições a remessas internacionais de dinheiro.

Tenho clientes indianos e todos eles sofrem para enviar capital ao Brasil ou para receber lucros brasileiros na Índia. O sistema de controle de capitais estrangeiros é excessivamente burocrático e centralizado.

Os rígidos controles cambiais sobre remessas ao exterior tornam difícil comprar bitcoins fora do país. Assim, os indianos ficam ilhados e praticamente não conseguem comercializar criptomoedas com o resto do mundo. Como a procura por lá é grande e não há “importação” de estoques complementares, o preço sobe.
                                                            
Nisso, como em várias outras coisas, a economia brasileira é similar à da Índia.

O que é diferente é que o problema brasileiro não é sistêmico. Em teoria, a lei da nossa Terra de Santa Cruz impõe pouca restrição à compra e venda de moeda estrangeira. Para se adquirir, digamos, 10 milhões de reais em bitcoins junto a bolsas americanas, não é preciso obter autorização do Ministério da Indústria ou do Presidente. Basta enviar o dinheiro, via um banco ou uma corretora.

O problema da arbitragem de bitcoins no Brasil não é a estrutura burocrática, mas o dia a dia da burocracia cambial e do compliance.

Vou explicar.

1. MODELOS JURÍDICOS TEÓRICOS PARA A ARBITRAGEM

Até os momentos, os bitcoins são tratados para fins cambiais como bens intangíveis que não estão sujeitos à tributação relativa a direitos autorais, software ou serviços.

Isso é importante porque sua “importação” não paga imposto de renda, PIS/COFINS, CIDE ou qualquer outro tributo.

Neste sentido, eu diria que os bitcoin se parecem muito com ações de empresas ou com opções financeiras (contratos de opção, futuros). São coisas que valem dinheiro, mas cujo comércio não está sujeito a tarifas ou a controles alfandegários.

Assim sendo, teoricamente a compra de bitcoins no exterior para revenda no Brasil constituir-se-ia dos seguintes passos:

    a)    Mandar dinheiro para o vendedor de bitcoins no exterior, pagando somente o IOF;          
    b)    Receber os bitcoins, por via eletrônica;
   c)     Vender os bitcoins no Brasil, pagando os tributos aplicáveis (Imposto de Renda sobre ganho de capital, se for uma pessoa física, ou tributação do Simples/Lucro Real/Lucro Presumido, se for uma pessoa jurídica);
    d)    Com o dinheiro da venda, comprar mais bitcoins no exterior.

Mas todo mundo que opera no mercado verifica que não é assim que funciona.

2. PROBLEMAS PRÁTICOS COM A OPERAÇÃO

O primeiro problema é que poucos bancos ou corretoras aceitam trabalhar com negociações de Bitcoin. Que eu conheça, apenas dois ou três.

O segundo problema, e este mais difícil de resolver, é que as corretoras costumam atribuir um limite de câmbio para as pessoas físicas. Por exemplo, 100 mil reais por ano para um profissional, ou 20 mil reais por ano para um adolescente. Uma vez que este limite é “gasto” (quando transações totais superam este valor) a instituição financeira passa a julgar que as transferências não têm lastro e trava o cadastro do cliente.

A maneira de “destravar” o cadastro é comprovar que a origem do dinheiro que será remetido ao exterior é lícita. Todavia, é difícil comprovar isto porque a maior parte das pessoas vende os bitcoins em bolsas que não disponibilizam dados completos dos compradores.

E, ainda que isso acontecesse, as empresas financeiras podem questionar, muito corretamente, onde está o registro de empresário do comerciante de bitcoins, já que ele está praticando uma atividade empresarial (compra e venda habitual de ativos). Ninguém tem isso prontamente.

Abro um parêntese para dizer que minha avaliação da legislação brasileira é que ela é razoavelmente equilibrada, com um pouco de tendência para a super-regulação. Mas, definitivamente, não é uma regulação tirânica. O motivo pelo qual eu digo isso é que nosso país tem um problema seríssimo de lavagem de dinheiro do tráfico de drogas. Os bancos precisam se proteger contra isso. Mas esse tipo de proteção é difícil de fazer quando o dinheiro ilegal está espalhado pelo mercado.

Mas, voltando ao assunto: outro obstáculo é que algumas bolsas de bitcoins no exterior não permitem que se “credite” dólares para usuário quando os dólares vêm de ordens internacionais. Especialmente nos EUA, é comum que as bolsas aceitem somente transferências bancárias ou cheques.

Finalmente, existem o problema da demora na transação. A remessa de dinheiro ao exterior não pode ser feita continuamente. Sempre haverá um ou dois dias de demora para a análise do compliance, mais um ou dois dias em que o dinheiro estará em trânsito.  Nesse meio tempo, pode haver variação de taxas de câmbio, variação brusca no preço ou mudança da alíquota de IOF, o que arruinaria o negócio.


3. MODELO ADEQUADO À REALIDADE

Levando tudo isso em conta, e após conversar com vários operadores do mercado de câmbio e com gente que estuda o “compliance” (programas de integridade), cheguei a um modelo que me parece suficiente para cumprir as normas brasileiras e ainda permitir que o negócio funcione.
  
   1)    Inicialmente, é preciso constituir uma empresa no Brasil (EIRELI ou sociedade limitada ou S/A).

Neste post não será possível falar sobre os detalhes desta empresa, tais como capital social, objeto, etc. Mas todos esses tópicos são relevantes e influenciam o modelo.

   2)    O segundo passo é que os mesmos sócios da empresa brasileira devem constituir uma empresa no exterior.

Essa empresa pode estar localizada num paraíso fiscal (as chamadas “offshore”) mas também pode estar numa jurisdição comum. Tenho observado que Estados Unidos, Inglaterra e Escócia funcionam. Mas o Uruguai, Panamá e Hong Kong também podem servir.

A escolha exata da jurisdição depende das bolsas de bitcoin e dos bancos que se pretende utilizar.

   3)    Os sócios devem capitalizar a empresa estrangeira;

  4)    A empresa estrangeira deve comprar bitcoins no mercado alvo (onde o bitcoin é mais barato);

   5)    Os bitcoins devem ser revendidos para a empresa brasileira.

Este ponto é importante. Você NÃO deve comprar bitcoins no exterior, transferi-los para sua carteira no Brasil e revender os bitcoins no Brasil, como se eles fossem seus. Os Bitcoins comprados pela empresa estrangeira pertencem à empresa estrangeira e precisam ser transferidos para a empresa brasileira.

Esta transferência deve ser dar por meio de uma venda, não de uma doação.

Existe um princípio em comércio internacional chamado “arm`s length”. Ele diz que as transações dentro de um grupo econômico devem ser feitas como se as duas empresas não se conhecessem (como se houvesse entre elas a distância mínima que normalmente há entre duas pessoas, mais ou menos um braço).

Nenhuma empresa no mundo daria bitcoins para uma empresa brasileira de graça. A empresa desta estrutura também não vai dar. Ela vai vendê-los, por um preço compatível com o mercado.

O valor exato dependerá de muitos fatores e também da regulação sobre preços de transferência (“transfer pricing”) vigentes no país em que a empresa está localizada.  O que é possível adiantar é que sempre se buscará a venda pelo menor preço possível, para que a empresa estrangeira não acumule lucros desnecessariamente.  

A venda deve ser documentada com contrato de compra e venda, invoice e outros documentos. Neste modelo, a empresa brasileira provavelmente comprará bitcoins a prazo, estipulando pagamento num prazo de 03 a 15 dias.


   6)    A empresa brasileira receberá os bitcoins e os venderá no Brasil.

A venda pode ser feita em bolsas comuns. Todavia, seria melhor que a venda fosse feita em grandes lotes para compradores qualificados, que pudessem ser claramente identificados. Desta forma, a empresa poderia manter uma contabilidade mais completa a respeito da venda, o que certamente ajudará na etapa seguinte.

   7)    Envio de pagamento ao exterior, com ou sem aumento do montante total (reinvestimento dos lucros)


Após realizar a venda no Brasil e auferir lucro no Brasil, a empresa brasileira deverá ter no caixa o valor original dos bitcoins, mais o lucro bruto.

Exemplo: Bitcoins comprados por 50 mil reais e revendidos por 55 mil reais. Ao final, a empresa brasileira terá 55 mil em caixa.

A empresa deverá recolher os tributos devidos e apurar o lucro líquido. A tributação vai depender de uma questão jurídico-contábil (se os bitcoins eram estoque ou ativo fixo).

O detalhamento contábil da venda local é a chave deste modelo. Um bom balanço, elaborado por um bom contador, dará segurança à corretora de câmbio para continuar a efetuar transações com bitcoins para a empresa brasileira.  E, acima de tudo, permitirá que a ordem seja analisada e aprovada rapidamente.

Eu acredito que seja possível enviar 02 ordens ao exterior por semana. Mas tenho clientes que dizem conseguem às vezes enviar 03.

Após a apuração do lucro líquido, a empresa terá duas opções principais.

    a)    Pagar os bitcoins inicialmente comprados da empresa estrangeira, por meio de remessa de câmbio, e reiniciar o ciclo;
   b)    Pagar os bitcoins e ainda aumentar o capital social da empresa estrangeira, a fim de aumentar a aposta;

4. EVOLUÇÃO DO MODELO

Este é um modelo bastante simplificado. Um modelo real deve levar em conta também:
                                                            
·       -Taxa de operação das bolsas de bitcoin;        
·       -Variação cambial;                       
·       -Custos financeiros da transação (IOF, taxas).

Outra opção é tornar a operação mais financeira, por meio de dois institutos:    

a.               Uso de uma central de caixa, que emprestará dinheiro continuamente para a empresa situada no exterior. Esta central de caixa pode estar localizada num paraíso fiscal, por exemplo;         

b.               Uso de contratos de opção e futuros. Por meio deles, a empresa brasileira não compraria os bitcoins, mas apenas a opção de comprar os bitcoins, ou o dever de pagar um preço definido pelo bitcoin, em data futura. O uso inteligente destes contratos permite que a empresa brasileira trabalhe com o “mesmo dinheiro” várias vezes antes de ser obrigada a efetivamente pagar por cada um dos bitcoins comprados da empresa estrangeira.        
                                                            

O assunto é pouco estudado e este modelo é o primeiro que consegui conceber. Com o tempo, ele provavelmente vai evoluir para uma estrutura mais ágil.

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