sábado, 20 de janeiro de 2018

Por que bancos fecham contas de corretoras de criptomoedas?


















Leia também


A Folha noticiou hoje que vários bancos grandes, de varejo, estão fechando as contas das corretoras de criptomoedas. 

O link para a reportagem segue abaixo. 


Fiquei pensando sobre o que está levando os departamentos de compliance (ou seja, verificação cadastral e legal) a recomendarem aos gerentes que encerrem as contas. 

Parece-me que os principais motivos são os seguintes: 

1) O OBJETO SOCIAL (CNAE) DAS BOLSAS ESTÁ ERRADO

Esse é um problema gritante para o compliance. 


Conforme eu expliquei no artigo CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DA ATIVIDADE DE UMA BOLSA DE BITCOINS, a atividade de uma bolsa de bitcoins é o CONTRATO DE COMISSÃO. 

O contrato de comissão não é o mesmo que um contrato de corretagem. Corretagem acontece quando você paga uma comissão para um vendedor de carros ou imóveis, porque ele ajudou você a vender seu carro ou apartamento. Ele aproximou as partes.

No contrato de comissão, você entrega o bem para um profissional. Ele vende e recebe o dinheiro do comprador. Depois, noutro dia, ele entregará o resultado da venda a você. 

Parece um pouco, na prática, com "deixar em consignação em uma loja". Você entrega algo na loja e o dono da loja vende por conta própria. 


Isso é importante porque o contrato de COMISSÃO (o contrato certo para bolsas de bitcoin) presumo um contrato de custódia. Ou seja, só é possível celebrar este contrato se você deixa o bem nas mãos de outra pessoa. Esta outra pessoa agirá como depositária ou custodiante do bem, até vendê-lo. 

Isso é SUPER RELEVANTE.  

Imagine um restaurante normal e um restaurante que trabalhasse com contratos de COMISSÃO/custódia. 

No restaurante normal, o dono comprou as caixas de cerveja. Ele é dono delas. Pode dar. Pode vender. Pode fazer uma promoção. Se alguém roubar a cerveja, o problema é só do dono do bar. 

Num restaurante que trabalhasse com COMISSÃO (custódia), o dono do restaurante NÃO seria o dono das caixas de cerveja. 

Ele não poderia vender a qualquer preço. Não poderia fazer promoções. E, fundamentalmente, se o restaurante for roubado, o prejuízo seria de quem deixou a cerveja lá. Não do dono do bar. 

Trazendo o exemplo para uma bolsa de bitcoins: 

a) se a bolsa fecha repentinamente, quem perde dinheiro são os clientes da bolsa, não a empresa que gerencia a bolsa;

b) a bolsa teria que informar ao banco, claramente, que ela transaciona dinheiro de terceiros e que há, por assim dizer, um risco financeiro sistêmico na sua atividade. 

Porém, como a bolsa informaria ao banco que trabalha com dinheiro de terceiros, se o seu contrato social diz o oposto?  Nos casos que analisei, as bolsas se consideram simples corretoras.


Sob este aspecto, eu concordo com o compliance bancário. As bolsas classificaram mal sua atividade. 


2) CONEXÕES INTERNACIONAIS DE PAGAMENTO E
COMPLIANCE INTERNACIONAL


Alguns bancos estrangeiros têm recusado contas para corretoras de bitcoin. Recentemente, o Metropolitan Bank, dos EUA, fez isso. Há outros.

A retirada de bancos estrangeiros de determinado mercado gera propensão a perturbações na rede de pagamentos internacionais dos bancos.

Dois bancos localizados em países diferentes podem usar vários sistemas para transferir dinheiro entre si. A transferência pode ser direta entre eles, se um tiver conta junto ao outro. Ou eles podem usar um banco intermediário. 

Ou, a depender do caso e do volume da transação, podem usar sistemas mais complexos de compensação.

Estas transações entre bancos geram vários compromissos e responsabilidades. Um dos bancos pode estar sujeito a leis mais duras contra a lavagem de dinheiro que o outro. Ou, talvez, o banco intermediário das transações tenha uma política contrária a bitcoins.

Conforme os bancos do exterior se retiram do mercado, as opções dos bancos brasileiros para rotear transferências internacionais relacionadas àquele produto específico, e mesmo transferências não relacionadas,  vão ficando reduzidas e complicadas.

Pode ser que os bancos brasileiros tenham julgado que manter contas de bolsas de bitcoins atrapalharia a realização de transferências internacionais, pois deixaria parte do dinheiro “sujo”, sujeito a restrições perante normas de lavagem de dinheiro de outros países. 

Também pode ser que o banco utilize como intermediário estrangeiro justamente um banco que é inimigo dos bitcoins. Isso limitaria a capacidade de o banco brasileiro efetuar pagamentos a vários outros bancos no exterior, já que ele perderia sua ponte. 






Nenhum comentário:

Postar um comentário

Os comentários servem para discussões teóricas e para comentários políticos e econômicos. Se você precisa de auxílio em matérias de Direito Internacional, escreva para contato@adler.net.br.