sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Imposto sobre bens localizados no exterior em caso de inventário ou doação



Excelente artigo que detalha os motivos pelos quais os estados brasileiros não podem cobrar ITCMD sobre bens localizados no exterior, quando tais bens são herdados por residentes no Brasil .



O artigo não trata de doações, mas o raciocínio é parecido para estes casos.



Imposto sobre bens localizados no exterior | Valor Econômico



Por Marcelo de Azevedo Granato
Há uma crise localizada, uma fenda, no arcabouço jurídico-tributário nacional. Não é o estouro da represa, mas um pequeno buraco, que faz vazar água - e qualquer vazamento nestes tempos de secura é terrível. Vários Estados estão cobrando o Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD) nos casos de bem localizado, de cujus residente/domiciliado ou inventário processado no exterior sob a alegação de que, mesmo sem o preenchimento de requisito constitucional expresso, seriam competentes para tanto. O tema é complexo, mas são muitos (para manter a ilustração: transbordam) os argumentos contra a exigência do imposto nesses casos.
O art. 155, parágrafo 1º, III, b, da Constituição (CF) estabelece que o ITCMD-causa mortis "terá competência para sua instituição regulada por lei complementar [...] se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior". Os Estados argumentam que, apesar da clareza com que a CF condiciona a exigência do imposto à edição de lei complementar que regule a "competência para sua instituição", a ausência dessa lei não impediria sua cobrança. A razão seria o art. 24, §3º, da CF: "Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades".
Assim, na ausência da lei complementar de que fala o art. 155, §1º, III, b, e tratando-se de matéria sobre a qual os Estados têm competência para legislar, eles poderiam disciplinar a incidência do ITCMD-causa mortis nos casos de bem localizado, de cujus residente/domiciliado ou inventário processado no exterior.
A competência para cobrança do ITCMD-causa mortis não é uma 'peculiaridade' de um Estado
Ocorre que esse requisito da lei complementar traz consigo o propósito de evitar que todos os Estados relacionados com as hipóteses 'extraterritorias' do art. 155, §1º, III, b (pela localização, em seu território, do bem, do herdeiro etc.) cobrem o imposto concomitantemente. Emerge, aqui, a função reguladora da lei complementar: será ela a transformar uma competência reivindicável por mais de um Estado numa competência exclusiva de um deles, conforme o específico vínculo desse Estado com o bem, de cujus ou inventário no exterior.
Assim, conforme o art. 155, §1º, III, b, da CF, a relação entre a transmissão causa mortis e o exterior impõe, para a tributação interna daquela transmissão, uma discriminação normativa, de abrangência nacional, da competência dos Estados. Essa é uma atribuição exclusiva da lei complementar, conforme o art. 146, I, da CF.
Como ainda não foi editada a lei complementar a que se refere o art. 155, não podem os Estados disciplinar a incidência do ITCMD-causa mortis nas hipóteses em causa. E como somente poderão fazê-lo após a edição daquela lei, a "lei federal sobre normas gerais" do art. 24, §3º, da CF, em cuja ausência "os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades", não pode ser entendida como (substituta) a lei complementar de que fala o art. 155. Senão a Constituição estaria veiculando disposições incompatíveis (proibindo e autorizando a atividade legislativa plena dos Estados na ausência da lei complementar).
Mesmo que não fosse assim, é o próprio conteúdo do art. 24, §3º, que mostra a impossibilidade da cobrança autônoma do imposto por cada Estado. O que o § 3º diz é que, inerte a União no estabelecimento de normas gerais, podem os Estados exercer "a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades". Porém, a inércia aqui não é da União, mas da Federação, da qual os Estados também fazem parte. Ademais, essa competência dos Estados somente pode ser exercida "para atender a suas peculiaridades", no que se volta a situações de caráter local; inexistindo lei federal sobre normas gerais, o legislador estadual está autorizado a criar normas gerais naquilo que interesse a situações particulares, i.e. suas e não de todos os Estados. Tais normas visam possibilitar a subsequente edição de normas particulares pelo Estado, "para atender a suas peculiaridades". Claramente, a competência para cobrança do ITCMD-causa mortis não é uma "peculiaridade" de um Estado.
Por esses e outros motivos, é clara a falta de amparo constitucional para a exigência do ITCMD-causa mortis pelos Estados e pelo Distrito Federal nos casos de bem localizado, de cujus residente/domiciliado ou inventário processado no exterior.
Marcelo de Azevedo Granato é doutor em direito pelas Universidades de São Paulo e Turim, juiz do TIT/SP e integrante de BGR Advogados
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

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