quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Sobrestadia de containers, direito marítimo e aplicação de lei estrangeira no Brasil

Interessante artigo hoje no Valor, a respeito da sobrestadia de containers.

Só achei que o autor adernou em excesso para o estudo da legislação nacional.

Outros giros da questão são a aplicação de lei estrangeira em contratos marítimos (dependendo do local de celebração, etc), e a aplicação ou não de convenções internacionais sobre transporte marítimo.

Há várias delas: Convenção de Haia, de Hamburgo, regras de Rotterdam. Veja um artigo sobre isso neste link.

Aproveitando a janela, lembro a vocês que eu adoro direito marítimo. Vejam, por exemplo:



Por favor leiam o Artigo do Valor e comentem. 





Sobrestadia de container e seus conflitos

Por Alexandre Medeiros Régnier
Sobrestadia, ou demurrage do inglês, é o valor cobrado do afretador de navio ou do importador, pelo descumprimento da obrigação de restituição do navio ou do container, respectivamente, no prazo convencionado ("free time").
É um instituto antigo, específico do direito marítimo, porém ainda bastante disputado e controvertido. De um lado um grupo reduzido de enormes empresas de navegação, acomodadas majoritariamente em países desenvolvidos; de outro importadores, geralmente empresas de médio porte, com limitado poder econômico; e ao centro, os agentes de carga, ora como demandantes, ora como demandados.
A pronunciada diferença econômica entre as partes contratantes é um dos aspectos pouco valorizados na disciplina e na composição dos conflitos envolvendo a matéria. A questão não é apenas: aplica-se ou não o Código de Defesa do Consumidor; mas: existe ou não a necessidade de equalizar a relação jurídica, de que forma e em que medida. Os usos e costumes do comércio internacional, que originaram o instituto da sobrestadia há séculos, já não são os mesmos. Não é possível invocar reiteradamente a lex mercatoria como um suposto fundamento jurídico para ocultar uma simples predominância dissimulada do poder econômico.
Há outros temas controversos aguardando uma discussão equitativa em favor do comércio internacional
Quanto à natureza jurídica da sobrestadia, a jurisprudência é hesitante, inclinando-se entre cláusula penal, indenização por quebra de contrato, indenização por ato ilícito, ou ainda confundido as três figuras ou os seus reflexos jurídicos - há quem a reconheça inclusive como locação ou mesmo como um adicional de frete. Mas a correta identificação da natureza jurídica vai muito além do aspecto meramente teórico ou acadêmico.
Se a incidência da obrigação pecuniária de sobrestadia tem como fato gerador o descumprimento de uma obrigação de fazer avençada livremente entre as partes (restituir o navio ou o container no prazo ajustado), trata-se, essencialmente, de uma cláusula penal contratual, na sua mais autêntica representação (ainda que tenha dupla finalidade: punitiva e indenizatória), sujeita, portanto, ao correspondente regime jurídico, inclusive às regras dos arts. 408 a 416 do Código Civil brasileiro, entre elas a que exige a culpa do infrator - ademais, não parece razoável imputar responsabilidade objetiva ao hipossuficiente, invertendo a estrutura lógica do instituto. E ainda a que restringe o valor da penalidade (da sobrestadia total, não da diária) ao valor da obrigação principal (no caso, ao valor do container, como vêm reconhecendo algumas decisões judiciais recentes, mas ainda minoritárias; ou ao valor do próprio frete, solução por enquanto inexplorada).
Outro tema palpitante é que nunca houve uma regra particular para disciplinar o prazo de prescrição para a cobrança judicial de sobrestadia de containers. O art. 499, III, do Código Comercial veiculava norma especial fixando o prazo de um ano para a cobrança de sobrestadia de navio, norma que era estendida por analogia à sobrestadia de container, e que prevalecia sobre a regra geral de 20 anos do art. 177 do antigo Código Civil. Com a revogação daquele dispositivo pelo Código Civil de 2002, os tribunais passaram a adotar a regra geral de três anos de prescrição do art. 206, §3º do atual diploma civil, recusando, agora, curiosamente, a extensão por analogia da prescrição de um ano prevista categoricamente na regra especial do art. 22 da Lei nº 9.611, de 1998 para a cobrança de sobrestadia de container em transporte multimodal. Sinceramente, faz diferença para o processo civil, e mais especificamente, para as regras de prescrição, se o transporte é multimodal ou intermodal?
Mas absolutamente negligenciado é o debate envolvendo o "dispatch money", que é exatamente o contrário da sobrestadia. Quando o afretador restitui a embarcação antes do prazo de free time, tem direito a uma compensação, correspondente, em geral, a 50% do valor da sobrestadia convencionada. Ora, se tanto a lei quanto a jurisprudência consideram o container como "equipamento do navio", como parte juridicamente integrante e inseparável da embarcação (art. 3º da Lei nº 6.288/75 e art. 24 da Lei nº 9.611/98), não deveria haver "dispatch money" de container? Além do apelo juridicamente consistente da analogia, a adoção desta figura favoreceria as duas partes: os importadores competentes teriam uma oportuna compensação financeira; os armadores contariam com um forte instrumento para induzir a restituição acelerada dos seus equipamentos, proporcionando mais agilidade e eficiência financeira na sua atividade fim (frete, não sobrestadia).
Há outros temas controversos aguardando uma discussão sincera e equitativa, em favor do comércio internacional, não dos interesses pontuais de uma ou de outra parte: integração de lacunas contratuais, data de início do free time, taxa de câmbio (data de referência e percentual), poderes dos despachantes aduaneiros, exclusão de responsabilidade, entre outros. É o que se espera de um país com as ambições internacionais e econômicas do Brasil.
Alexandre Medeiros Régnier é mestre em direito econômico e financeiro pela USP, professor de comércio exterior no MBA da Unicenp e advogado
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

http://www.valor.com.br/legislacao/3375012/sobrestadia-de-container-e-seus-conflitos#ixzz2npiNX3AK

Um comentário:

  1. O importante do artigo inicial deste debate, publicado no Valor Econômico de 18/dez/2013, é a falta de jurisprudência una sobre o assunto.

    Nas lides entre o armador e o agente de cargas, há um contrato firmado entre as partes. Já entre o agente de cargas e o importador não há. Trata-se de uma cobrança unilateral, baseada em tabela de preços interna, da qual o importador nunca tomou ciência formal.

    O valor da diária da demurrage é absurdamente alto, ninguém sabe como foi calculada.

    As teses das defesas na justiça são interessantes, mas antes vamos rever alguns detalhes cruciais:

    a) Como foi feito a contagem das diárias ? Do momento da atracação até a devolução do container, ou do momento do fim do "free-time" até a devolução do container ? Estes documentos estão disponíveis para o importador ? Alguém se preocupou em auditar esses cálculos ?

    b) No caso que comentei, dias atrás, uma execução judicial de R$ 293 mil, não há o comprovante da devolução do container, pois trata-se de carga que foi a Perdimento por Abandono, e a Receita Federal não assinou o Termo de Devolução do Container. Então qual é a data exata da devolução ? Sem data exata, como foi calculada tal demurrage ?

    c) Será que todos sabem que o Termo de Devolução do Container sempre contém, de alguma forma, texto que implica em "Confissão de Dívida", na interpretação de alguns advogados/juízes ?

    d) Para piorar o caso em tela, o importador quis devolver o container, ao notar que não teria recursos para nacionalizar a mercadoria, mas o TCP (Terminal de Contêineres de Paranaguá) não desova containers, exceto por ordem da Receita Federal.

    Quanto a jurisprudência e possíveis teses, e quanto as cobranças/penalidades cabíveis:

    1) Pagar de novo o valor do frete;

    2) Pagar o valor do(s) container(s);

    3) Pagar o faturamento perdido pelo armador/agente de cargas pela indisponibilidade do container, ex.: a cada 45 dias, uma viagem de Paranaguá para a China, e vice-versa. Para cada viagem, cobrar-se-ia o valor do frete consignado no B/L (ou HB/L).

    4) Se os containers de tal agente de cargas voltam vazios para a China, cobrar-se-ia a metade do valor apurado no item "3" acima.

    É o que eu tinha a comentar, espero que desperte a colaboração de mais membros do grupo.

    Um abraço a todos e Feliz 2014 cheio de saúde.

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