terça-feira, 23 de julho de 2013

Joaquim Barbosa e sua empresa offshore em Miami. Pode? (quero dizer, legalmente?)

Eu sabia que atuar com Direito Internacional acabaria me atraindo para as disputas intestinas do poder e para as intrigas internacionais....

Se o dever chama, vamos lá. 

É verdade que Joaquim Barbosa abriu uma empresa em Miami?

SIM. Pelo menos, há uma empresa em Miami cujo diretor é o Sr. "Joaquim B. Gomes", e cujo endereço para correspondência fica em Brasília.  Vejam só: (mais documentos ao final)
















Os registros são públicos. Quer ver? Basta acessar: 


Um ministro do Supremo pode ter empresa no exterior?

É uma boa pergunta. Vamos ver. 

A lei da magistratura veda aos juízes "exercer o comércio" e "exercer cargo de direção de sociedade". (Artigo 36 da Lei Complementar 35). Várias outras leis e regulamentos trazem disposição semelhantes. 

Pelo nosso direito, exercer o comércio é ser comerciante por profissão. O dono do armazém que passa o dia inteiro em frente ao balcão exerce o comércio. O vendedor ambulante exerce o comércio. O Diretor Comercial de uma grande empresa também exerce o comércio.   Comerciar é ganhar dinheiro com atividades empresariais.

É óbvio que o Sr. Joaquim Barbosa não dá expediente em Miami, contando dólares e vendendo camisetas para turistas brasileiros. Quero dizer, ele não dedica seu tempo para ganhar dinheiro como comerciante. Nenhum problema aqui, portanto. 

Porém a lei também veda o exercício de cargo de Direção. Quem ler o artigo sétimo do contrato social da empresa vai ver que o Joaquim B. Gomes consta como "Diretor Inicial". 

E agora Joaquim? Será que finalmente seus críticos conseguiram alguma brecha para acusá-lo?

Vejamos. 

O que a lei brasileira veda é o exercício de cargo de direção. E o que é isso?

Pela lei brasileira, ser diretor de uma empresa significa ser responsável por ela. Tomar decisões, prestar contas, administrar empregados, vender, comprar, etc. Ou seja, é uma atividade que demanda trabalho e que implica muitas responsabilidades. 

Isto é: a direção empresarial uma atividade incompatível com a função pública. Afinal, como é que alguém poderia ter dois empregos em horário integral? 

Mas o que é um "Diretor Inicial"? Será que é a mesma coisa que nós entendemos como Diretor de empresa?

A resposta é NÃO. Não é. 

Sempre é difícil comparar o direito e as leis de dois países. Ainda mais porque o nosso sistema jurídico é diferente do sistema jurídico americano. Mas, nesse caso, acho que a explicação é bastante aparente. 

Segundo as leis da Flórida (link aqui), o diretor age mais como um organizador geral da empresa, que PODE OU NÃO ser responsável pela condução diária dos negócios. 

Tanto é assim que o Diretor nem mesmo é obrigado a residir na Flórida. Quem é obrigado a morar por lá é um "Agente". (O agente do Ministro Joaquim Barbosa é uma advogada, cujo site é fácil de encontrar).

Quer dizer, o "Agente" da empresa tem funções parecidas com o nosso conceito de administrador ou Diretor (tanto assim que, no Brasil, os diretores são obrigados a morar no Brasil). 

Já os diretores, segundo a lei da Flórida, se aproximam mais do que seria, no Brasil, um sócio majoritário que só comparece à empresa para aprovar atas de reunião ou resoluções. Ou seja, alguém que não labuta na empresa, mas apenas detém o "domínio do fato".

Especialmente o Diretor Inicial, cuja atribuição inclui nomear os diretores permanentes, para que os diretores permanentes conduzam os negócios da empresa, no futuro.

Cabe também lembrar que a discussão sobre os limites da atuação empresarial dos servidores públicos não é nova. Há livros e livros sobre o assunto, além de centenas de decisões judiciais e administrativas. 

Com o tempo, as decisões caminharam no sentido de punir os servidores públicos que agem como diretores, ainda que não sejam diretores "no papel", e de absolver os servidores públicos que não agem como diretores (que não roubam o tempo que deveria ser dedicado à administração pública), ainda que, sejam, formalmente, diretores. 

Então, concluo pelo seguinte: Um ministro do Supremo pode SIM ter empresa no exterior, e inclusive ser nomeado Diretor desta empresa, desde que as atividades de direção sejam equivalentes às atividades de um sócio que não trabalha na empresa. 

EM TEMPO: Eu não posso dar opiniões legais sobre o direito americano. Estou chegando a estas conclusões não como advogado, mas como estudioso. 


É POR QUE O Joaquim Barbosa abriu uma empresa em Miami? Para não pagar impostos no Brasil?

É claro que não! Ele fez isso pela mesma razão que leva todos os brasileiros a comprarem imóveis em Miami sempre por meio de empresas: porque a transferência do imóvel aos herdeiros é mais simples e barata quando o imóvel está em nome de uma empresa. É dizer: quando o Ministro vier a faltar, seus herdeiros não terão quer abrir um complicado inventário nos EUA. Bastará que a propriedade da empresa seja transferida a eles, e eles automaticamente se tornarão donos do imóvel. 

Inclusive, muita gente no Brasil faz a mesma coisa (alguns estados pedem que a empresa tenha sido aberta há mais de 5 anos antes que haja o inventário. Mas, de modo geral, a estratégia não é proibida). 

Note que a transferência das cotas ou ações da empresa para os herdeiros será tributada no Brasil, quando chegar a hora de fazer o inventário do Sr. Joaquim Barbosa.  Ele não está cometendo nenhuma fraude tributária no Brasil. Nem nos EUA. 

Querem saber o que eu acho? Que ele está certíssimo. 







Abaixo, o relatório anual de 2013:










9 comentários:

  1. e a Lei 8.112 não se aplica aos juizes?

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  2. Olá,

    Sim, se aplica. Mas o raciocínio é exatamente o mesmo, e a conclusão também.

    Abs.

    Adler

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  3. Primeiro existem aqui nos EUA ourtros meios legais de passar propriedade a herdeiros sem a necessidade de abrir empresa, tais como Trusts. Segundo,eh verdade que muitas pessoas criam empresas aqui nos EUA para passar imoveis aos familiares mas os imoveis que estao sendo passando sao relacionados a imoveis de investimento e nao apartamento de veraneio. O fisco americano explica isso bem e e so perguntar a alguem que entenda de direito tributario aqui nos EUA. Terceiro, simulacao de doacao com pagamento por fora pode constituir fraude documental, fraude fiscal, fraude financeira, e violacao as leis contra lavagem de dinheiro. E importante tambem notar que quando a condado calcula o imposto anual do imovel leva em conta as ultimas vendas e quando nao haja venda o valor venal. Poderia se argumentar que se o apartamento em questao tivesse sido vendido pelo valor real o imposto anual do imovel teria sido corrigido e provavelmente dobrado. Isso sim poderia caracterizar um beneficio tributario imediato e direto e tambem com proximidade. O Ministro me parece ser uma pessoa honesta mas acho que so foi aconselhado por advogado para a abertura da empresa. Advogado e Contador competente aqui nos EUA nao recomendariam esse tipo de negocio. Tem muito advogado brasileiro defendendo a operacao sem ter o minimo de conhecimento das leis americanas. LC

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  4. Caro Leitor,

    Valiosíssimas observações.

    Confesso que os detalhes sobre a classificação da operação como fraude tributária ou simulação me escapam. O único documento que menciona a transferência não me parece suficiente pare chegar a uma conclusão. Por exemplo: será que não houve outras transações que poderiam gerar a referida transferência? O perdão de uma dívida, por exemplo. Ou a assunção de um financiamento?

    Ademais, eu não tenho qualificação para analisar se essa transferência viola ou não a lei americana. Sem documentos e sem qualificação teórica, prefiro não opinar.

    Mas você leu o post? O que estava tentando explicar não era a operação de compra e venda, mas a eventual ilegalidade de o Joaquim Barbosa possuir uma empresa em Miami. Em relação a isso, creio que não há dúvidas.

    Abs.

    Adler

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  5. Caro Adler, a defesa que você "iluminou" parece bem bolada. Parabéns. Entretanto, não me parece escorreita. Quanto aos limites da atuação empresarial dos servidores públicos, o impedimento não leva em consideração tão simplesmente a compatibilidade de horários entre a atividade pública e privada, mas sim a moralidade administrativa, no sentido de que o servidor (no caso um Ministro/Magistrado da mais alta Corte) deve, antes de tudo, "parecer" probo... Isso significa que não deve, na condição de julgador, exercer funções que comprometam a cobrada "imparcialidade do julgador", tais como ser diretor (para mim, JB detém o "domínio do fato" sobre a sua própria empresa, por mais que constasse como porteiro...) ou mesmo receber "presentes" e "doações". Outrossim, me parece que JB praticou verdadeira "simulação" na terra dos carburadores quádruplos...

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    1. Cristiano,

      Obrigado por ler.

      Mas Cristiano, não vejo como o Joaquim Barbosa estaria violando a moralidade. O papel dele é semelhante ao de um acionista da Petrobrás, ou de um investidor numa pequena papelaria. E, ainda por cima, em outro país. Como isso vai comprometer a imparcialidade dele em julgamentos aqui no Brasil?

      Abraços,

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    2. Dr. Adler Martins,

      Respeitadas as opiniões em contrário, entendo que O titular de uma firma individual, ou sócio-gerente de uma limitada, seja a sua empresa micro, pequena, média ou grande, e que venha a nomear um gerente para a tal empresa não perderá a sua qualidade de empresário, bem como o gerente por ele nomeado não terá a qualidade de empresário, mas a de empregado da empresa. Ressalte-se, outrossim, que a pessoa designada ou nomeada gerente de uma agência de banco, empresa sob a forma de S/A, com poderes de gestão, não assume a qualidade de banqueiro, mas a de bancário.

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    3. Luis,

      Mas isso no Brasil. O que estou dizendo é que, em outros países, o papel do Diretor é bastante diferente. O bem jurídico que a lei brasileira protege, ou seja, o tempo, a dedicação, a proteção contra fraudes e favorecimentos, não é violado.

      Abs.

      Adler

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  6. Caro Alder,


    Achei o seu artigo muito interessante, infelizmente a fama das empresas "offshore" não é muito boa estes dias. Simplesmente possuir uma empresa em outro pais não quer dizer que o investidor quer fugir as taxas do próprio pais, em este caso o Brasil.

    Quem sabe se amanha tiver uma crise economica no Brasil, pessoas como o Sr. Barbosa deveriam pensar de maneira global para proteger seus patrimonio, inclusive para as futuras gerações.

    Estou de acordo com o Sr. Martins no fato que o investimento do Sr. Barbosa não é ilegal e ainda menos imoral. Eu sou um especialista de contas e empresas offshores, trabalhei em Hong Kong e agora em Dubai, se o Sr. Barbosa realmente quisesse esconder dinheiro e ser discreto a Florida com certeza não é o melhor lugar do mundo. Tem tantas opções no mundo para "esconder" dinheiro que não acredito que em este caso a intenção tenha sido ruim.

    Qualquer pessoa com patrimonio deveria diversificar investimentos no mundo, isso dentro da lei obviamente, porque mais uma vez quem sabe o que vai acontecer amanha no nosso pais?

    Se alguém desejar qualquer conselho sobre empresas offshore, seria um prazer para mim de ajudar.


    Abraços!

    Joao Marcos Pestalozzi.

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