quarta-feira, 22 de maio de 2013

Os novos Piratas do Caribe e os Contratos de Software


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Se há algo que realmente incomoda os negociadores dos Estados Unidos nas negociações multilaterais internacionais sobre comércio, certamente é o tema da propriedade intelectual. Em 1994, na conclusão da Rodada Uruguai da OMC, os Estados Unidos foram os principais articuladores do acordo TRIPs (do inglês, Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), para a proteção da propriedade intelectual. Em 1996, nas negociações da ALCA, houve o início dos conflitos entre os diplomatas americanos e os latino-americanos e caribenhos acerca do tema. Em 2005, as divergências contribuíram para que a iniciativa da área de livre comércio fosse definitivamente enterrada.

Em janeiro de 2013 outro acontecimento acirrou as disputas sobre propriedade intelectual entre os Estados Unidos e os países da América Latina e Caribe: Antígua e Barbuda foi autorizada pela OMC a aplicar retaliações contra os Estados Unidos na área de propriedade intelectual no valor de US$ 21 milhões de dólares.  Alguns negociadores americanos chegaram a acusar a OMC de autorizar a “pirataria governamental”. Não faltou quem fizesse alusões ao PirateBay, website notório de pirataria digital (o blog Freakonomics inclusive fez uma referência ao filme “Os Piratas do Caribe”).

Seria Antígua e Barbuda o novo “pirata do caribe”?

            Não foi a primeira vez que os Estados Unidos sofreram retaliações em propridade intelectual pelos seus vizinhos latinos e caribenhos. Em 2009, no âmbito da disputa do algodão, a OMC permitiu que o Brasil aplicasse retaliações cruzadas sobre propriedade intelectual contra os Estados Unidos no valor de até US$ 238 milhões de dólares. Isso levanta as seguintes dúvidas, que buscarei explicar com este post: porque há uma resistência tão grande por parte dos Estados Unidos no que concerne a propriedade intelectual, por que os países da América Latina e do Caribe escolhem aplicar retaliações justamente nessa área temática e quais são as implicações disso para o direito de propriedade intelectual e os contratos de software?

            Desde o esgotamento do modelo de produção fordista, os Estados Unidos têm se concentrado na área de informação e tecnologia. Muitas das grandes indústrias norte-americanas migraram para outras regiões nas quais a mão-de-obra era mais barata, como o norte do México ou a China. A vantagem comparativa dos Estados Unidos atualmente é a área de serviços e tecnologia. O grande exemplo disso é a produção do iPad pela Apple: os projetos são feitos nos Estados Unidos, o produto é montado na China. É por esse motivo que a proteção dos direitos de propriedade intelectual é algo tão sensível para os Estados Unidos.

            Os países latino-americanos sabem muito bem disso.

            Desde as negociações da ALCA e da Rodada Uruguai da OMC, a propriedade intelectual tem sido utilizada como moeda de troca pelos negociadores latino-americanos e caribenhos. O acordo sobre propriedade intelectual da Rodada Uruguai somente foi aceito porque houve concessões por parte dos países desenvolvidos, como a aprovação de um Acordo sobre Agricultura. A grande barganha da ALCA, da mesma maneira, envolvia, de um lado, os “novos temas” (como propriedade intelectual) de um lado e, do outro lado, a redução dos subsídios à agricultura de Estados Unidos e Canadá. Da mesma maneira, no caso do Algodão na OMC, o Itamaraty recomendou aplicar retaliações cruzadas contra os Estados Unidos na área de propriedade intelectual pois sabia que não havia nenhum outro tema mais sensível e que forçaria o país a retornar às mesas de negociações – como de fato ocorreu. Uma das regras básicas da diplomacia é: se você tem algo que o outro quer, não dê de graça. Os economistas dizem que os atores econômicos agem por incentivos, mas não há nenhum incentivo para que os países latino-americanos e caribenhos promovam a rígida proteção da propriedade intelectual sem receber algo em troca dos países desenvolvidos.

            Pelo contrário, se há algum incentivo, é o de incentivar a pirataria, ou ao menos fazer uma vista grossa. É o que ocorre com Antígua e Barbuda. As empresas dos países latino-americanos e caribenhos simplesmente não conseguem competir em condições de igualdade com as empresas de software e serviços dos Estados Unidos. Em geral, esses países sequer possuem empresas ou indústrias de tecnologia nascentes (como é o caso, por exemplo, do Brasil). 

São obrigados a se resignar a pagar royalties sobre os produtos importados norte-americanos – mediante as chamadas “licenças de uso” dos contratos de software e é aqui que o tema se relaciona ao direito de propriedade intelectual e aos contratos de software. 

Para um país como Antígua e Barbuda, aplicar retaliações em propriedade intelectual significa permitir a formação interna no país de empresas capazes de fornecer serviços de forma mais competitiva do que se tivessem que pagar para os titulares de direitos autorais nos Estados Unidos; significa suspender o pagamento desses royalties. A diferença é que isso será feito de forma totalmente legal e de acordo com a normativa da OMC.

            E onde entra o Brasil nessa história?

            O Brasil, ao contrário de muitos de seus vizinhos, possui uma indústria nascente na área de propriedade intelectual e fornecimento de serviços nas áreas de informação, tecnologia e software. Ainda que não consiga competir com outros parceiros maiores, como os Estados Unidos, o Brasil está se tornando um fornecedor desses serviços para outros parceiros menores. 

Um exempo disso é o modelo de TV Digital nippo-brasileiro, que foi adotado por todos os países da América do Sul (por pressão diplomática brasileira) e será exportado pelo Brasil para todos seus vizinhos. Para o Brasil, sob o ponto de vista puramente pragmático, não é interessante adotar modelos de proteção intelectual rígidos como os exigidos pelos Estados Unidos, uma vez que nossas empresas não são tão competitivas se comparadas com as americanas. Por outro lado, é interessante para o Brasil assinar acordos de proteção de propriedade intelectual com seus vizinhos no âmbito do Mercosul e investir na área de tecnologia e informação a fim de exportar para o mercado latino-americano. Tal como ocorreu nas negociações da ALCA, que foram deixadas de lado pela integração no âmbito do Mercosul, no que concerne a propriedade intelectual, é melhor privilegiar o mercado continental do que o mercado hemisférico.

            A perspectiva para o futuro é que a área de propriedade intelectual e de tecnologia seja um nicho de mercado importante para o Brasil, em especial nas suas parcerias com seus vizinhos ou com grandes parceiros como a Índia e a China. Nesse sentido, a demanda por advogados especializados na área de propriedade intelectual, tecnologia, informação e software, também tende a aumentar.

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