quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Tributação desestimula internacionalização

Punição fiscal às empresas brasileiras

Fonte: Valor Econômico

Por Alberto Xavier

A partir das duas últimas décadas do século passado assistiu-se ao surgimento da multinacional brasileira. O fenômeno da globalização e necessidade de conquista de novos mercados impulsionaram as empresas nacionais em busca de oportunidades além-fronteiras.

Mas em vez de estimular e favorecer este esforço, a legislação tributária brasileira criou um regime que desincentiva a internacionalização e prejudica a competitividade das nossas multinacionais.

Esse regime, previsto no artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/01, consiste em tributar os lucros das sociedades controladas e coligadas, domiciliadas no exterior, no momento da apuração por essas sociedades, sem aguardar pela sua distribuição, na forma de dividendos para o sócio no Brasil. Momento este em que tais lucros deixariam de ser renda das sociedades estrangeiras, dotadas de personalidade jurídica própria, para passar a ser renda da controladora ou coligada brasileira.

Esse sistema perverso é uma singularidade brasileira, não adotado pelos demais países, pelo qual a competitividade das nossas empresas vê-se seriamente abalada, pois comporta um ônus fiscal mais pesado do que o das suas rivais no mercado global.

É que esses países apenas adotam um regime excepcional de tributação automática de lucros de certas controladas quando estas auferem rendas passivas e são domiciliadas em território de baixa tributação (regime "CFC" - Controlled Foreign Corporation), enquanto que o Brasil fez dessa regra o regime geral de controladas e coligadas no exterior, independentemente de qualquer condição.

A legislação tributária criou um regime que desincentiva a internacionalização

A lei brasileira adotou um sistema que se afasta totalmente do tipo CFC, por não ter caráter excepcional e finalidade antielisiva, já que atinge, como regra geral, o lucro das sociedades controladas ou coligadas no exterior, independentemente da natureza dos rendimentos que o integram e do nível de tributação do país de seu domicílio. A total inexistência de um elemento "abusivo" relacionado ou com o domicílio ou com a natureza do rendimento leva a afirmar que a lei brasileira não tem a natureza de uma lei "CFC", e que seu objetivo é puramente arrecadatório.

Ainda mais grave é o caso das empresas brasileiras que investem, direta ou indiretamente, em países que celebraram com o Brasil tratados contra a dupla tributação e que contêm o artigo correspondente ao artigo 7º do Modelo OCDE. Segundo esse artigo, o país de domicílio da sociedade matriz (por exemplo, o Brasil) pode tributar os lucros externos de filiais ou sucursais (estabelecimentos permanentes sem personalidade jurídica), mas no que concerne às sociedades controladas ou coligadas (dotadas de personalidade jurídica) a competência para a sua tributação é exclusiva do Estado de domicílio destas sociedades (i.e., Dinamarca), com a consequente proibição de tributação pelo Estado de domicílio do sócio (Brasil).

Na sistemática dos tratados, tais lucros só seriam tributáveis pelo Estado de domicílio do sócio, quando distribuídos como dividendos.

Porém, a regra clara do artigo 7º, tem sido contestada por autoridades brasileiras que pretendem recusar a aplicabilidade dos tratados com base em dois argumentos equivocados.

Um deles consiste em afirmar que a legislação brasileira corresponde ao modelo das legislações estrangeiras do tipo "CFC", e que, segundo a OCDE, não seriam incompatíveis com o art. 7º dos tratados.

Essa afirmação não é verdadeira, pois a OCDE apenas admite essa compatibilização por reconhecer que as leis "CFC" só se aplicam aos casos de abuso, o que não ocorre com a lei brasileira.

O outro argumento é o de que não se aplicariam os tratados internacionais, uma vez que a legislação brasileira estaria tributando o lucro (resultado de equivalência) do sujeito passivo brasileiro controlador no Brasil e não o lucro da empresa estrangeira, pelo que não ocorreria um conflito sujeito à aplicação do art. 7º do tratado.

Esse argumento é contrário à própria letra expressa da lei brasileira que manda "adicionar" ao lucro líquido da matriz ou controladora no Brasil, o lucro da sociedade estrangeira (art. 25, parágrafo 2º, II da Lei nº 9.249, de 1995 e parágrafo 4º do art. 1º da IN nº 213, de 2002.

Logo, o que se tributa no Brasil, não é o lucro da empresa local, nem o resultado de equivalência patrimonial, que a lei expressamente declara não tributável (parágrafo 6º da Lei nº 9.249), mas é o lucro da própria empresa estrangeira que é adicionado ao do sócio no Brasil, tal como se ela fosse transparente ou sem personalidade jurídica.

Tal lucro só é tributado nas mãos de empresa brasileira por ser essa a única técnica possível para viabilizar a arrecadação pelo Estado brasileiro, de impostos incidentes sobre pessoas estrangeiras.

A tentativa das autoridades de afastar a proteção dos tratados desvirtuando a sua finalidade, poderá agravar o dano à competitividade das nossas empresas e causar a perda de confiança no país pelo descumprimento de compromissos internacionais.

Alberto Xavier é sócio do escritório Xavier Bragança Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

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